Fernandes Neto. Advogado e Professor.
Aroldo Mota foi um dos precursores do Direito Eleitoral brasileiro, juntamente com Joel Cândido, Tito Costa e outros mestres. Advogado, literato e historiador, registrou a memória política do Estado do Ceará, desde a Proclamação da República, até as eleições de 1987, além de protagonizar outras publicações. Teve larga atuação na história política do Ceará e na formação profissional de militantes do Direito Eleitoral.
Nesta ocasião, não me reportarei aos inegáveis atributos intelectuais do Dr. Aroldo Mota, mas à sua personalidade excêntrica e crítica, contando um dos episódios que vivenciei no exercício da advocacia eleitoral, esperando levar um pouco da comicidade cearense ao Cachaça Eleitoral.
Por volta dos anos 2000, com a recente intrusão da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), um jovem juiz eleitoral de entrância inicial, atendendo a uma inusitada representação ministerial – tudo indica que ajustada quanto ao entendimento de mérito – considerou como conduta vedada ao Prefeito em reeleição, cassando, em consequência, seu registro de candidatura, a utilização de um jingle de campanha, onde o candidato e prefeito reproduzia melodicamente suas realizações na chefia do executivo. Dizia a propaganda embalando o carro de som da campanha, que o Prefeito construiu calçamento, reformou o hospital, ergueu escolas etc.
Ao receber a representação por conduta vedada aos agentes públicos ( art. 73), o Magistrado atendeu o pedido liminar de sustação e, após o contraditório, proferiu a condenação e cassação de registro da candidatura a Prefeito, sob o pálio do inciso IV do citado artigo ( fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.)
O caso trouxe repercussão considerável ante a extensão interpretativa inusitada ofertada ao dispositivo legal – que caracterizou a menção musical das obras públicas realizadas pelo candidato em reeleição – trazendo ao jovem magistrado nítida empolgação com o precedente autoral, certo da garantia de eficácia da igualdade de chances concedida aos pleitos, desde a nova hermenêutica.
A empolgação do Juiz eleitoral era tamanha que, não se contendo, resolveu assistir, pessoalmente, à sessão do Tribunal Regional Eleitoral, onde seria apreciado o recurso eleitoral por nós impetrado. Senti-me um pouco constrangido com a presença do sentenciador, mas me contive na sustentação oral à crítica da decisão.
Aroldo Mota, sentava-se sempre na mesma cadeira da segunda fila do Plenário do TRE, onde, por vezes, criticava, a meia voz, os votos e as decisões do colegiado (todos respeitavam e faziam que não o ouviam). O magistrado, então - certamente por desconhecer o lado pitoresco de Aroldo Mota - sentou-se ao seu lado, à espera da decisão colegiada, que não poderia ser outra senão a reforma integral da sentença, rechaçando a inovação interpretativa monocrática.
Imediatamente após o término do julgamento, o juiz levantou-se , rapidamente, para deixar o recinto do plenário, quando foi contido por Aroldo Mota, que interrogou ironicamente: Já vai doutor? Já está indo recorrer? Os presentes não se contiveram e terminaram por não conseguir prender os risos, já que a presença do juiz já era objeto de burburinho na assistência.
Aroldo Mota, nos deixou em 2017, aos 84 anos, e saudosos ficamos de sua presença constante no Plenário do Tribunal Regional Eleitoral. E o magistrado? Superado o evento aqui registrado, tornou-se um grande julgador já nem tão afeito às teses inovadoras.