16 Jul
Comentários ao Informativo do TSE  nº 2, ano XXI, de 1º a 17 de fevereiro de 2019

Amigos da Cachaça: atendendo a pedidos, estou comentando os Informativos do TSE. 

Descobri que isso dá um trabalho danado! Então vou fazendo isso aos poucos. 

Por favor, deixem comentários e sugestões, para eu aprimorar aqui os meus esforços. 

A ideia é: leiam o informativo e, depois, estes comentários. 



Informativo do TSE

Ano XXI, n. 2, 1o a 17 de fevereiro

 http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/informativo-tse-no-2-ano-xxi 

     Sessão Administrativa

     1. Verba do Fundo Partidário e aquisição de imóvel

     O Fundo Partidário é composto, predominantemente, por dinheiro público. Ele é voltado para auxiliar os partidos políticos, registrados, entre outros itens, em suas despesas para a “na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal” (sobras pode ser utilizadas nas campanhas eleitorais). A Lei 9.096/95, Lei dos Partidos Políticos, estabelece regramento para seu uso e a divisão entre as diversas instâncias partidárias. Não há, portanto, discricionariedade plena na utilização desses recursos. Por exemplo, vinte por cento dos recursos devem ser utilizados para “ criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política” e cinco por cento na promoção e difusão da participação política feminina. A utilização irregular destes recursos pode acarretar a rejeição das contas partidárias e, como sanção, a devolução dos valores irregularmente gastos e multa. Surgiu, então, dúvida sobre se os valores do Fundo podem ser utilizados para a aquisição de imóveis, para sediar instâncias partidárias. A resposta do TSE foi negativa. Os partidos podem utilizar tais recursos para reformar e realização de benfeitorias necessárias, mas não para adquirir sedes. Se quiserem comprar imóveis, poderão fazê-lo com seus recursos próprios (por exemplo, os recebidos de doações de pessoas físicas), celebrando contratos bancários, empréstimos ou aderindo a consórcios. (Consulta n. 52988).

     2. Prazo de funcionamento de direções provisórias

     Partidos políticos tem o hábito de se constituírem, nos municípios e, às vezes, nos Estados, de forma provisória. Diretórios Municipais provisórios funcionam, com essa condição, há anos, tempo muito superior ao necessário para sua estruturação. Essa provisoriedade facilita a tarefa das direções nacionais do partido que podem, em certos casos, destituir a direção provisória. O TSE começou a estabelecer prazos máximos para o funcionamento destes órgãos provisórios, fixando-os em 180 dias, salvo previsão estatutária mais rigorosa. Foi o que se decidiu na Petição n. 93, julgada em 12.2.2019, fixando prazo para que o partido se adequasse a esse prazo máximo. Os partidos devem registrar no TSE suas alterações estatutárias – procedimento chamado de “anotação” - e um deles estabelecia prazo maior do que 180 dias para seus órgãos provisórios. A Corte fixou 60 dias para que sua determinação fosse cumprida.

     Ocorre que a Emenda Constitucional n. 97, reagindo a essa medida disciplinadora do TSE, dispôs que:

“§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (grifamos).

A decisão historiada no Informativo fica, assim, prejudicada.

     A Lei 13.8931 de 2019, regulamentando a Emenda 97, deu nova redação à Lei 9.096/95 e estabeleceu que:

     “Art. 3o, § 3º O prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos poderá ser de até 8 (oito) anos.”

Entendemos, no particular, inconstitucional esse parágrafo 3o, que dá extensão abusiva ao que se pode considerar “provisório”, fazendo-o em período equivalente a duas legislaturas da Câmara dos Deputados.


     Sessão jurisdicional

     1. A prova na captação ilícita de sufrágio.   A compra de votos é, ao mesmo tempo, um ilícito cível e um crime eleitoral. A sanção cível, prevista no artigo 41-A da Lei 9.504/97, aplicada aos candidatos, prevê a cassação do registro ou do diploma. Já o crime, que pode ser praticado pelo candidato ou pelo eleitor, traz pena de um a quatro anos. Basta a comprovação de uma única compra de votos para que tais sanções, cível e criminal, possam ser aplicadas. Portanto, para evitar o que se chama de “terceiro turno” das eleições, as condutas devem estar sobejamente comprovadas. O Código Eleitoral chega a vedar a prova testemunhal exclusiva em ações que possam cassar registro, diploma ou mandato:

“Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.”

Surgiu, então, o questionamento, em recurso para o TSE, sobre a viabilidade de que a condenação por compra de votos (captação ilícita de sufrágio) fosse exclusivamente testemunhal, ou seja, não acompanhada de outros meios probatórios como documentos, gravações, vídeos, etc.

     A Corte reafirmou sua jurisprudência, no sentido de que se os testemunhos forem confiáveis, consistentes e detalhados, não há óbice a que sirvam para sustentar decisão condenatória, ainda que sem outros meios de provas. (REspe nº 721-28)

     2. Matéria de ordem pública e prequestionamento no recurso especial. Prazo de três meses antes do pleito para algumas condutas vedadas. O recurso especial eleitoral, de competência do Tribunal Superior Eleitoral, é chamado de “apelo nobre” e traz uma série de requisitos diferenciados. Seu cabimento não se contenta com as exigências de legitimidade, interesse e tempestividade, demandando a observância das hipóteses de cabimento trazidas pela Constituição, art. 121, par. 4o. (I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei; II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais) e do Código Eleitoral, art. 276, I (que repete, em menor extensão, o mencionado artigo constitucional). Ele não se presta para rediscutir fatos e provas e exige que a matéria objeto do recurso tenha sido efetivamente apreciada pela decisão recorrida (“prequestionamento”). Vale dizer: não é possível levar matéria nova para o TSE por meio deste recurso, ele apenas reexaminará o que já tiver sido debatido e decidido pelo Tribunal Regional Eleitoral. O recurso examinado pelo TSE intentava dispensar o requisito do prequestionamento alegando matéria de “ordem pública”, ou seja, aquela que pode ser conhecida pela Corte independentemente de provocação. Assim, apresentavam, inauguralmente perante o TSE, arguição de inconstitucionalidade que não havia sido feita perante o TRE. A decisão da Corte manteve seu entendimento tradicional: no recurso especial, mesmo matérias de ordem pública só podem ser conhecidas se tiver ocorrido o prequestionamento, da causa decidida na instância recorrida.

     No mesmo julgado, versou-se sobre hipótese bem interessante, advinda de incongruências deixadas por algumas alterações da legislação eleitoral. É que a Lei 9.504/97 tipificou alguns comportamentos de abuso de poder político e econômico por parte de detentores de cargos públicos, chamando-os de “condutas vedadas”. Algumas destas condutas serão ilícitas apenas se praticadas dentro de certo marco temporal. Contratações de funcionários na circunscrição do pleito, por exemplo, sofrem restrições se forem feitas três meses antes da data das eleições; gastos com publicidade nos seis primeiros meses do ano eleitoral não podem extrapolar a média dos três anos anteriores, assim por diante. O artigo 77, por exemplo, diz que:

     “Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas. (...)”

A redação do artigo é anterior à modificação da data máxima para o pedido de registro da candidatura, que era 5 de julho do ano eleitoral e passou a ser 15 de agosto, por força da Lei  13.165/2015.Com isso, a franca campanha eleitoral, que só pode ocorrer após o prazo do registro, ficou bastante reduzida, para cerca de 45 dias antes do pleito. Surgiu, então, a seguinte dúvida: a restrição do art. 77 só alcançaria inaugurações que ocorressem nestes 45 dias? Ou será que, ao revés, se manteria em três meses antes do pleito, proibindo a participação de pessoas que ainda não poderiam ser consideradas candidatas?

     O TSE optou pela segunda solução, proibindo que pessoas participem de inaugurações 90 dias antes da data das eleições, mesmo se, naquele momento, ainda não ostentarem a condição de candidatos (o que só ocorre com o pedido de registro). Para a Corte, mesmo antes da formalização do pedido de registro, o eleitorado se dá conta de que determinada pessoa irá se candidatar. (Agravos Regimentais no REspe nº 294-09, Miguel Leão, PI).

     3. Omissão na aplicação de recursos para promover a participação feminina e desaprovação de contas.

     O TSE aplicou a Lei 9.096/95, que exige que ao menos 5% dos recursos do Fundo Partidário sejam destinados a promover a participação política feminina. Em razão disso, desaprovou as contas de um partido político e determinou que, no exercício seguinte ao do julgamento, houvesse um acréscimo de 2,5% no emprego de recursos do Fundo, com essa finalidade (conforme sanção prevista na lei).

     Ocorre que a Lei 13.831/2019, superveniente ao julgado, culminou por anistiar os partidos que deixaram de aplicar o percentual mínimo para incentivar a participação política das mulheres, desde que tivessem se valido desses recursos na campanha eleitoral:

Art. 55-A. Os partidos que não tenham observado a aplicação de recursos prevista no inciso V do caput do art. 44 desta Lei nos exercícios anteriores a 2019, e que tenham utilizado esses recursos no financiamento das candidaturas femininas até as eleições de 2018, não poderão ter suas contas rejeitadas ou sofrer qualquer outra penalidade.”

Para a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, trata-se de norma inconstitucional: http://www.presp.mpf.mp.br/index.php/noticias/2089-pre-sp-sustenta-a-inconstitucionalidade-da-anistia-dada-aos-partidos-que-nao-investiram-na-participacao-politica-feminina. (Prestação de Contas nº 283-29)

     4. Prova de filiação partidária e aplicativo de mensagem

     A Constituição Federal exige, como condição de elegibilidade, a filiação partidária (ou seja, nada de candidaturas avulsas, por enquanto). A Lei das Eleições é que regula o período mínimo de filiação para que alguém possa se candidatar, atualmente seis meses antes das eleições, ressalvada a hipótese de que os partidos políticos prevejam, em seus estatutos, período maior. Ocorre que o sistema político partidário brasileiro é particularmente instável. Candidatos mudam de partido com frequência e novos partidos são criados de uma hora para a outra. A Lei dos Partidos Políticos exige que eles informem à Justiça Eleitoral o rol de seus filiados:

"Art. 19. Na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano, o partido, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, deverá remeter, aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos.

Todavia, muitas vezes, de caso pensado ou por desídia, a informação não é prestada, criando dificuldades para aqueles que precisam demonstrar o cumprimento desta condição de elegibilidade. O TSE admite, portanto, que os candidatos comprovem sua filiação partidária por outros modos, desde que não sejam por meio de prova unilateral. É a Súmula nº 20:

"A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/95, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública."

No caso concreto, a decisão recorrida não considerou conversa por mídia social prova suficiente para demonstrar a filiação, mas o TSE deu provimento ao recurso, entendendo que a comunicação foi contemporânea ao pedido de filiação, em prazo superior a seis meses do pleito e que teve caráter bilateral. (Agravo Regimental no REspe nº 6-75).


     Acórdãos publicados no Diário Oficial

     O primeiro caso - (Agravo de Instrumento nº 0600102) -  versou sobre prazo de funcionamento de comissão provisória de partido político e sobre a competência para julgar ação anulatória de vigência de órgão partidário provisório. A Corte reconheceu a competência da Justiça Eleitoral para esse tipo de controvérsia, a teor do artigo 29, I, letra “a, do Código Eleitoral. Dispôs que é válida comissão estadual de partido instituída dentro do prazo de 180 dias, previsto na Resolução nº 23.571/2018. Ver comentário ao Informativo nº 1, ano XXI, indicando que, com a sobrevinda da Emenda nº 97, se assegurou ao partido a prerrogativa de fixar o prazo máximo de suas direções provisórias, embora o prazo fixado na Lei 9.096/85 – oito anos – seja inconstitucional. (Agravo de Instrumento nº 0600102).

     O Segundo caso - (Agravo Regimental no REspe nº 27-53/RJ) - Legitimação do Ministério Público Eleitoral. Revogação da liminar que suspendia os efeitos da condenação: Inelegibilidade superveniente? Requisitos da condenação por improbidade. O Tribunal entendeu que o Ministério Público Eleitoral é parte legítima para recorrer, mesmo quando estiver atuando como custos legis, ou seja, em ação proposta por terceiros. No mérito, examinou questão tormentosa, a saber, se a revogação de liminar que suspendia efeitos de uma condenação por improbidade administrativa pode ser considerada fato superveniente a autorizar a proposição do Recurso contra a Expedição de Diploma.

     Convém lembrar do texto do artigo 262 do Código Eleitoral:

“Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade.”

Em Direito Eleitoral, os defeitos que impedem o registro de uma candidatura devem ser arguidos, sob pena de preclusão, por ocasião do pedido de registro. A exceção fica por conta da matéria constitucional ou de situações de inelegibilidade que surjam depois do registro (e antes da data das eleições). Assim reza a Súmula 47

“A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito.”

Situação peculiar é aquela na qual, por ocasião do registro, a condenação que poderia gerar inelegibilidade se encontra suspensa. Essa permissão de suspensão é dada pela Lei das Inelegibilidades:

"Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.”

Ocorrendo a suspensão, a condenação não servirá para obstar o registro de candidatura. Todavia, a própria Lei Complementar 64/90 estabelece, art. 26-C que:

“§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.”

Deste modo, não é incomum que a decisão de suspensão da inelegibilidade perca seus efeitos ao longo da campanha eleitoral, bastando para isso que a decisão final do recurso interposto seja desfavorável ao recorrente. A pergunta é se a revogação da suspensão, após o registro e antes da data da eleição, pode ser considerada inelegibilidade superveniente, a autorizar o manejo do Recurso Contra a Expedição do Diploma.

     A Corte considerou que não se trata de inelegibilidade superveniente, pois o tema foi versado quando do julgamento do registro, restando precluso.

     Cabe anotar nossa discordância em relação a este julgado. No momento do registro, incidia a liminar, não podendo a Corte Regional decidir sem levá-la em consideração. A revogação da liminar, a nosso juízo, é sim, causa superveniente.

     Na mesma assentada o TSE reafirmou sua jurisprudência em relação à dupla exigência da condenação por improbidade, para que possa gerar inelegibilidade: o prejuízo à administração pública e, cumulativamente, o enriquecimento ilícito, como indica a literalidade do artigo 1º, I, da Lei Complementar 64/90:

"l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;"

Em estudo formulado com Rodrigo López Zilio, “Comentários às Súmulas do TSE”, Ed. Juspodivm, São Paulo, defendemos ponto de vista diverso, de que é suficiente a condenação por enriquecimento ilícito ou por prejuízo ao erário, situações que podem ocorrer de maneira independente, não cumulativa."

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves

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