Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
Ao longo de minha vida profissional, como órgão do Ministério Público Federal, tive ensejo de atuar nas mais variadas áreas: criminal, cidadania, assuntos cíveis diversos. Até em matéria tributária já fui visto dando pareceres. Felizmente, anos atrás compareci a uma sessão eleitoral e, tomando-a como uma boa dose de cachaça, descobri inesperada afinidade, que tem se mantido desde então. E crescido.
Algo que me encantou na atuação perante a Justiça Eleitoral foi a celeridade no andamento dos processos. Houve casos nos quais entre a proposição da ação, sua instrução, julgamento e recurso transcorreu menos de um mês. E não era um pedido de direito de resposta, cuja tramitação é ainda mais rápida. Não estou dizendo que não havia problemas e que todos os feitos eram céleres. Entretanto, atesto que a Justiça Eleitoral é mais rápida do que a criminal, a cível e a tributária.
É uma pressa necessária. A maioria das ações versa sobre a condição dos candidatos, sendo mui recomendável que sejam julgadas antes da data das eleições, antes que os eleitos tomem posse, antes que o mandato se estenda ou termine.
A Lei 9.504/97, a propósito, art. 97, fixa o prazo de um ano para a duração razoável de um processo que possa resultar em perda do mandato eletivo, todas as instâncias consideradas.
Ao final, trata-se de permitir que o eleitor faça escolhas bem-informadas e que as instâncias de poder não sejam ocupadas por quem, de alguma forma, burlou as regras de uma disputa justa. É tópico que interessa igualmente aos candidatos e partidos políticos.
Qual o segredo para essa maior presteza? Funcionários e juízes dedicados, como os da Justiça Eleitoral, existem também em outros ramos. Advogados e Promotores preparados, ágeis e combativos, também. E não se venha a dizer que as controvérsias eleitorais são mais singelas do que outras: quem já lidou com ações de abuso de poder sabe que não se trata disso.
O segredo, conforme reputo, está na irrecorribilidade das decisões interlocutórias e na contagem corrida dos prazos, durante o processo eleitoral, sem considerar feriados e fins de semana (*).
Ofereço aqui uma rápida tradução do juridiquês: interlocutoras são aquelas decisões que, sem extinguir o processo, resolvem questões que nele se apresentam. Questões incidentes, como se costuma dizer. No processo judicial eleitoral elas somente podem ser objeto de recurso após o julgamento da ação. Ao contrário do que ocorre no processo civil comum, as decisões interlocutoras não precluem de pronto, ou seja, não se perde a oportunidade de apresentar recurso contra elas pela falta de irresignação imediata.
Em função disso, a atuação judicial encontra fluidez, as fases processuais marcham para a frente, sem sobressaltos. Quando a matéria é levada às instâncias superiores, toda a regularidade do processo é examinada.
Não é assim no processo civil comum. A cada vez que o juiz decide, as partes podem levar o assunto à instância superior, criando uma marcha processual em ziguezague que, como é de se esperar, é mais lenta. É como se o juiz e o tribunal tivessem uma atuação conjunta naquela tramitação processual ou se o tribunal local e o superior o fizessem.
Quando o Tribunal Superior Eleitoral discutiu a aplicabilidade do Código de Processo Civil aos feitos eleitorais, Res. 23.478/2016, estabeleceu que:
As decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito.
Esta solução não foi mantida no Projeto de Novo Código Eleitoral, em elaboração na Câmara dos Deputados. Nele se diz textualmente, art. 872, que “Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória”. São dois os casos. O primeiro se refere a decisões de tutela provisória (que, antigamente, de forma menos precisa, eram chamadas de liminares ou cautelares). O segundo se refere a decisões “cuja reforma, anulação ou reanálise em sede de julgamento de recurso de apelação eleitoral seja inútil, por não ser capaz de reparar ou impedir, no todo ou em parte, o gravame sofrido pela parte”.
Aqui, nossa experiência forense indica com clareza que toda decisão judicial que contrarie uma das partes será objeto de agravo, com o argumento de que a reforma posterior à sentença não seria capaz de reparar ou impedir, no todo ou em parte, o gravame sofrido pela parte. E, com isso, retira-se do processo judicial eleitoral um dos elementos que o fazem ser rápido. Os tribunais eleitorais ficarão sobrecarregados de agravos e as causas que um dia julgavam em recurso ordinário serão apresentadas a eles repetidas vezes. Mais papel, mais razões e contrarrazões, mais prazo, menos efetividade e presteza jurisdicional.
Os prazos céleres previstos para o julgamento dos agravos não serão fáceis de cumprir, especialmente durante o período eleitoral.
Sem falar que as decisões dos agravos comportam embargos de declaração. E que não se trouxe, nos dispositivos do projeto relacionados ao recurso especial, restrição relativa às decisões dos tribunais regionais que, em grau de recurso, julgam questões interlocutórias. Isso poderia ter sido feito, embora o Código atual não o faça. Há risco de a Súmula 31 do TSE - que diz não caber recurso especial em face de acórdão que decide sobre pedido de medida liminar - ser tida como superada. O ziguezague pode ser contínuo.
Sabemos que agravos já têm sido admitidos, por parte da doutrina e tribunais, com a normativa atual. O argumento é que eles evitam a impetração de mandados de segurança, quando decisões interlocutórias ofendem direito líquido e certo.
Ok, me dirão. Uma vez que a sistemática da tutela provisória foi importada do Código de Processo Civil, onde elas são recorríveis de pronto, não faz sentido que, no processo eleitoral, também não sejam.
Nossa resposta é que essa dicotomia entre o processo judicial eleitoral e o comum sempre existiu e que o lado eleitoral se mostrava melhor. E que a impetração dos mandados de segurança se presta, como já tem se prestado, para corrigir ilegalidades, quando não se pode aguardar o prazo do recurso ordinário.
Tememos a ordinarização do processo judicial eleitoral cível. Uniformizam-se os processos, mas coisas boas são deixadas no caminho.
Julho de 2021
(*) Este artigo, como indica o título, é só “contra o agravo”. A contagem ininterrupta de prazos, durante o processo eleitoral, retira dos advogados das partes e dos órgãos ministeriais o direito ao gozo de feriados e fins de semana. Eu sou a favor, mas até minha mãe reclama.