Quando Vera Taberti, Promotora de Justiça, foi atuar, de forma inédita, na Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, exclusivamente em prol da igualdade das mulheres na política, um novo patamar de atuação do Ministério Público Eleitoral foi atingido. Ela se houve com enorme sacrifício pessoal, pois precisou continuar com suas funções anteriores de promotora, acumulando-as com aquela nova designação. Sua passagem foi brilhante: ela quis ouvir as pré-candidatas e, depois, as candidatas, em relação às dificuldades que enfrentavam. O acervo destas oitivas é, provavelmente, a melhor e mais extensa documentação sobre o machismo estrutural dos partidos políticos, capaz de arredar e contornar as medidas de igualdade previstas em lei ou em decisões judiciais. Eles (não todos, felizmente!) aprenderam a descumprir, ou cumprir apenas formalmente, exigências como a quota mínima de 30% de diversidade de gênero nas chapas proporcionais e a reserva idêntica de recursos financeiros e tempo de propaganda no rádio e televisão.
O acervo foi utilizado para aparelhar Ações de Impugnação de Mandato Eletivo, que mereciam ter logrado êxito. A Vera elaborou, a partir disto, uma nova compreensão sobre as chamadas “candidaturas femininas fictícias”, demonstrando que partidos iludiam mulheres que efetivamente pretendiam se candidatar, dizendo que dariam a elas apoio e recursos, que nunca chegavam.
A Vera Taberti fez, no Ministério Público de São Paulo, uma “dobradinha" com outra Promotora notável, Ana Laura Bandeira Lins Lunardelli, na assessoria eleitoral, motivando e orientando os promotores e as promotoras sobre todo o temário do Direito Eleitoral e, notadamente, sobre a necessidade de igualdade das mulheres, das pessoas negras, da comunidade LGBTQI+ e das pessoas com deficiência nas eleições. Afinal, o espaço dos candidatos homens brancos hererossexuais e de cabelo acaju nunca foi questionado... Elas deram continuidade a um trabalho valoroso iniciado pela Aline Jzva, promotora assessora da Procuradoria Geral de Justiça
Os esforços destas destacadas Promotoras de Justiça receberam inspiração da corajosa decisão proferida pela magistrada Cláudia Fanucchi, hoje desembargadora, quando teve assento no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Ela foi relatora do primeiro acórdão prolatado em nosso país reconhecendo que a fraude nas candidaturas femininas implicava a invalidação de toda a chapa proporcional de candidatos (processo oriundo de Santa Rosa de Viterbo, SP). Este precedente vicejou, vindo a ser confirmado pelo TSE no julgamento de Valença, PI (REspe n. 19392). Esse julgado teve que lidar com questão tormentosa: e se a chapa beneficiada pela fraude tiver elegido mulheres? Se toda a chapa for invalidada, estas mulheres eleitas perderão seus mandatos! Não seria o caso de decretar a perda apenas dos mandatos de quem, conscientemente, colaborou para a fraude? A decisão do TSE foi no sentido de que a ocorrência da burla, inscrevendo candidatas de papel apenas para compor o mínimo legal, contamina toda a chapa. Se a decisão - que apoiamos - fosse diversa, esse importante mecanismo de proteção aos direitos das mulheres seria enfraquecido: a prova do elemento subjetivo de uma fraude com tais características é dificílima, senão impossível. Invoco meu próprio testemunho, como Procurador esforçado.
Essas mulheres notáveis ilustram uma característica do Direito Eleitoral: é um ramo com grande participação feminina. É certo, que se olharmos a composição dos tribunais eleitorais, não perceberemos isso. Neles, a presença feminina é minoritária e, às vezes, inexistente. No Tribunal Superior Eleitoral, atualmente, não há nenhuma ministra titular!
Muitos dos melhores advogados eleitorais do Brasil, se não os melhores, são, na verdade, advogadas. Há tantas mulheres que se destacam que o certo seria não trazer nomes, para não deixar alguma de fora. Não resisto, porém, a tentação e vou indicar em ordem aleatória, aquelas com as quais tive a sorte de deparar em minha atuação profissional: Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, Marilda da Silveira, Luciana Lóssio, Thalita Abdala, Fátima Nieto, Karina Kufa, Maíra Recchia, Paula Bernardelli, Angela Cignachi Baeta Neves, Eneida Desiree Salgado, Ana Cláudia Santano, Carol Clève, Vania Aieta, Shirley Siolary, Sandra Libarina, Georgia Nunes, Alessandra Calabresi Pinto, Gabriella Rollenberg, Mariana Rabelo, Katia Boulos, Juliana Bertholdi, Liliane Arruda, Maria Luíza de Toledo Piza, Gabriela Araujo, Karina Fidelix, Marisa Amaro, Nathalia Rubinelli, Laila Melo, Mariana Pedroza, Marisa Magalhães Lima, Ezikelly Barros, Kamile Castro, Margarete Coelho (hoje deputada federal e relatora do grupo de trabalho para reforma da legislação eleitoral).
No Ministério Público Eleitoral, merece todo destaque a Ana Paula Mantovani Siqueira, coordenadora do Genafe (Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral), em seu melhor momento. Sob sua inspiração e estudo, o Procurador Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.617, que levou o STF a decidir que o financiamento das campanhas femininas deve ser proporcional ao número de candidatas e, acompanhar, quando menos, a exigência dos 30% reservados aos cargos proporcionais. Por igual, Silvana Battini, Procuradora Regional Eleitoral do Rio de Janeiro mostra o poder e a competência da liderança feminina. Quando atuei na Procuradoria Geral Eleitoral, em Brasília, minha equipe era toda feminina: Renata Vieira Sampaio, Fernanda Xavier, Valéria de Freitas e Lucas e Elisa Nahas. Kamila Marques chefiou o gabinete e Débora Boechat foi uma promissora e dedicada estagiária.
Em São Paulo, a Procuradoria Regional Eleitoral contou com os esforços e talentos de colaboradoras como a Cinira Ozelo, a Denise Gonçalves, a Ana Paula Giamarusti, a Laís Lauand, a Shaieny Ernandes Biancolin, a Kátia Marselha Valério, a Patrícia Ribeiro do Nascimento, a Luísa Tassinari Silva, a Alessandra Nishi e a Rosana de Freitas Pereira. Atualmente, a colega Paula Bajer exerce com brilhantismo a função de Procuradora Regional Eleitoral-substituta.
No âmbito do TSE, registro nomes com os quais tive contato profissional, como os da Aline Osório, a Roberta Gresta, a Polianna Pereira dos Santos, a Fernanda Lage, a Lara Ferreira e a Ingrid Reale que, a exemplo das demais servidoras e colaboradoras da Justiça Eleitoral, contribuem decisivamente para que tenhamos um dos melhores sistemas de organização das eleições em todo o mundo.
E não posso deixar de falar daquela que é “a" especialista em prestação de contas, Denise Schlickman, do TRE-SC e da Janiere Portela, “a" conhecedora de crimes eleitorais, do TRE-BA. Em viagem a Palmas, descobri que a grande agitadora cultural da advocacia e do direito eleitoral é minha querida amiga Angela Issa Haonat.
E como iriam as Escolas Judiciárias Eleitorais sobreviver sem o trabalho árduo, criativo e inteligente de pessoas como a Vanessa Nigres Diniz, a Eliane Silva Neves, a Débora Vicente, a Janis Nakahati, a Águeda Odete Gurgel de Lima? E da Luciana Arenhart, do TRE-RS? E da Regina Rufino, do TRE-SP?
Eu não teria conseguido fazer um quinto do que esteve a meu encargo, nestes anos todos de Ministério Público Federal, se não fosse a competência laboriosa, ponderada e firme da Fabia Lima de Brito Damia, a quem se soma, atualmente, o talento de organização e gestão da Sara Rodrigues Ney Macedo.
Esta lista de nomes femininos parece um discurso de agradecimento e, na verdade, é isso mesmo. Eu não teria me tornado o profissional que me tornei (ok, vá lá este autoelogio…) sem o convívio, o aprendizado, a disputa, o apoio, o debate e a admiração que nutro por todas elas. Nomeá-las demonstra que o Direito Eleitoral tem um lado feminino, o melhor lado. Ofereço, a cada uma, o meu agradecimento e, uma dose (virtual) de boa cachaça.