Os anglicismos não costumam soar bem para os falantes do português tão musical e vocalizado do Brasil. Se der para evitá-los, prefiro, até para não atrapalhar a coisa em si. Quando a gente faz uma vaquinha, ao invés de um crowdfunding, a arrecadação será maior. Pagar em cash é mais caro do que em dinheiro. Um cupcake é menos gostoso do que um bolinho e alguém com sex appeal não tem chance perto de outra(o) que seja um... tesão.
Os neologismos anglo-brasileiros, então, são um horror: a sanção para o showmício (Lei .9.504/97, art. 39, 7o) deveria ser a cassação do mandato, até por nos obrigar a falar o nome disso.
Admito, contudo, que algumas palavras inglesas vieram para ficar. O que faríamos sem “freezer”, “check up”, “milk shake” e “diet”?
“Outdoor” é um desses vocábulos sem bons substitutos no vernáculo. Fizemos uma tropicalização semântica pois, em inglês, a palavra significa simplesmente "ao ar livre". Por aqui a utilizamos para dizer “painel publicitário iluminado e cedido onerosamente”. Ouve-se altichidór, o que talvez explique sua proibição nas campanhas eleitorais, art. 36 da Lei 9.504/97:
“Art. 36
§ 1º Ao postulante a candidatura a cargo eletivo é permitida a realização, na quinzena anterior à escolha pelo partido, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, vedado o uso de rádio, televisão e outdoor.
“Art. 39
§ 8o É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).”
São normas que vedam o uso do outdoor na propaganda intrapartidária (para a escolha de candidatos nas convenções) e seu uso na campanha eleitoral propriamente dita, aquela autorizada depois do dia 15 de agosto, na qual se pode, expressamente, pedir votos.
Surgiu então a pergunta que dá título a esse texto:
- Se não pode depois, pode antes?
Como Procurador Eleitoral sempre entendi que não. É proibido o uso de outdoors na “pré-campanha”. É verdadeiro que a Lei 13.165/2015 reduziu o tempo de propaganda eleitoral, adiando o momento do registro das candidaturas para agosto, quando antes era em julho. Foi uma mudança ruim: menos tempo de propaganda, menores chances para quem faz oposição. Além disso, a Justiça Eleitoral precisa correr que nem o Usain Bolt para dar conta de examinar todos os pedidos de registro até 20 dias da eleição, como exige a Lei 9.504/97, art. 16, 1o. Isso levou à lei a uma solução com notas de hipocrisia: estabelecer um rol de atos de promoção pessoal dos candidatos e divulgação de suas candidaturas e propostas, dizendo que, a menos que peçam votos “explicitamente”, não será propaganda antecipada:
“Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;
IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.”
Não era melhor simplesmente permitir a propaganda no ano eleitoral, desde, por exemplo, 1o de janeiro?
A nosso ver, era, desde que os gastos sejam contabilizados e não se usem recursos vedados. Melhor isso do que ignorar que aquele povo já está fazendo campanha. Até porque definir o que é pedido “explícito” de votos lembra aquela outra expressão inglesa, X-Rated.
Pois bem: aqui na Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, quando ficamos sabendo daquele candidato elogiando sua mãe, mencionando o próprio nome, mas não o dela, e indicando em letras grandes o ano da eleição, metemos a representação por propaganda antecipada. A lei é ruim, mas é a lei. Tanto mais se a homenagem à genitora, às mulheres em geral ou às criancinhas do Brasil, ocorrer num painel publicitário iluminado e cedido onerosamente. Fizemos isso em face de um pré-candidato que esparramou (ou alguém para ele) os tais painéis país afora. Nossa tese era:
- Se não pode depois, não pode antes.
Perdemos. O assunto chegou ao Tribunal Superior Eleitoral, tendo o Ministro Luiz Fux indeferido liminar requerida pela Procuradoria Geral Eleitoral, citando precedentes da Corte:
“3. Com o advento da Lei 13.165/2015 e a consequente alteração sucedida no âmbito do art. 36-A da Lei das Eleições, bem como até mesmo já considerando a evolução jurisprudencial do tema, a configuração da infração ao art. 36 da Lei 9.504/97,em face de fatos relacionados à propaganda tida por implícita, ficou substancialmente mitigada, ante a vedação apenas ao pedido explícito de votos e com permissão da menção à pré-candidatura, exposição de qualidades pessoais e até mesmo alusão a plataforma e projetos políticos (art. 36-A, I).
4. "A propaganda eleitoral antecipada - por meio de manifestações dos partidos políticos ou de possíveis futuros candidatos na internet -, somente resta caracterizada quando há propaganda ostensiva, com pedido de voto e referência expressa à futura candidatura, ao contrário do que ocorre em relação aos outros meios de comunicação social nos quais o contexto é considerado" (REspe 239-79, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 22.10.2015).” - Agr-Regimental em REspe n. 8518-Itatiba, SP.
Pois agora, tudo mudou. Conforme notícia da sessão de 9 de abril deste ano1, relativa aos processos n. 060022731 e 060033730, a Corte:
“...considerou propaganda eleitoral antecipada a publicação de outdoors em apoio ao pré-candidato, ainda que sem pedido expresso de voto, com aplicação de multa de R$ 5 mil.
A decisão, que altera a jurisprudência do Tribunal em relação a casos semelhantes das Eleições de 2016, atendeu pedido do Ministério Público Eleitoral (MPE) que pleiteava a condenação de Manoel Jerônimo pela instalação de 23 outdoors, em diversos municípios do entorno de Recife (PE), com a imagem do pré-candidato a deputado estadual e os dizeres: “Manoel Jerônimo: o defensor do povo! Seus amigos se orgulham por sua luta pelos invisíveis”.
O Ministro Edson Fachin apresentou as razões do seu modo de ver:
“Entendo que é irrelevante, para a caracterização do ilícito que se configura pelo meio inidôneo [o uso de outdoors], a formulação de forma concorrente do pedido explícito de votos. Os dois ilícitos guardam autonomia, inclusive quanto à tipificação”.
A votação inicial restou empatada: votaram pela aplicação da multa os Ministros Fachin, Og Fernandes e Admar Gonzaga e contra os Ministros Tarcísio Vieira, Luiz Roberto Barroso e Jorge Mussi. A Ministra Rosa Weber desempatou, pela aplicação da sanção. Oxalá assim permaneça.
If You can’t do it after, You can’t do it before."
1“http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Abril/plenario-do-tse-considera-promocao-pessoal-de-imagem-em-outdoor-ato-de-propaganda-eleitoral-antecipada
Photo credit: Theen ... on VisualHunt / CC BY-NC-SA