10 Aug
Um livro que a Cachaça, com alguma timidez, recomenda

                                Luiz Carlos dos Santos Gonçalves


Uma voz sensata me advertiu:

     -Não vá escrever sobre crimes eleitorais. A jurisprudência sobre eles não é firme e, como você bem sabe, o Projeto de novo Código Eleitoral está para ser aprovado no Congresso Nacional e ele muda TUDO.

     Naturalmente, fiz exatamente o contrário, como a gente costuma fazer diante de conselhos sensatos. Todavia, argumentei que:

     - Vou só recolher alguns apontamentos que já tenho prontos e fazer como se fosse uma apostila, com poucas páginas.

     -DUVIDO!- ela disse.

     - Pois não duvide! - retruquei.

     Admito, porém, que ela fez bem em duvidar. 

     Em primeiro lugar porque os tais apontamentos eram poucos. O que havia de mais consistente era um livro anterior sobre o tema, que publiquei em segunda edição em 2018 e, como sói acontecer com o Direito Eleitoral, já estava consideravelmente desatualizado. Assim, resolvi escrever tudo de novo. 

     Eu até fui sincero ao dizer que pretendia escrever umas poucas páginas mas....

     A culpa, na verdade, é do Supremo Tribunal Federal. 

     Estávamos bem na Justiça e no Ministério Público Eleitoral com aquele acervo de poucos crimes eleitorais realmente relevantes, ao lado de um sem número de infrações de menor potencial ofensivo, que raramente eram judicializadas (exceto o crime de “boca de urna”, art. 39, par. 5º., da Lei 9.504/97). 

     Ai veio a Corte e, numa primeira decisão, disse que o foro por prerrogativa de função só existia se o crime fosse praticado na constância do cargo - “in officio” - e em razão dele – “propter officium”

     Foi o que bastou para que dezenas de processos, talvez mais, que estavam tramitando perante o próprio STF ou o STJ baixassem para a primeira instância, para os cuidados dos juízes e promotores eleitorais... 

     Isso foi na Ação Penal n. 937, Questão de Ordem, julgada em 03.05.2018. 

     Não contente com essa decisão – correta, de todo modo – o Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 35, II, do Código Eleitoral, continua válido e aplicável mesmo depois da Constituição de 1988.

     Convém explicar: esse artigo diz que crimes que sejam conexos com crimes eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. 

     Muitos autores, a Procuradoria Geral da República e eu mesmo, achávamos que esse artigo não teria resistido ao disposto no art. 109 da Constituição, que diz que os crimes que afetem interesses da União Federal, tais como corrupção, concussão, etc, etc, são de competência da Justiça Federal.

     O STF, todavia, pensou diferente e determinou, ao julgar o Quarto Agravo Regimental (!) no Inquérito n. 4.435, em 14 de março de 2019, que os crimes conexos com os eleitorais sejam todos enviados à Justiça Eleitoral. 

     Isso tem levado a uma fila de anulações de processos, alguns muito antigos, de gente que jura de pé junto que os crimes contra a administração pública de que são acusados foram praticados, na verdade, para amealhar recursos que seriam/foram utilizados nas campanhas eleitorais, sem a competente declaração na prestação de contas de campanha dos candidatos beneficiados. 

     Alguns foram mesmo, é fato. 

     Mas nunca houve tantas admissões da prática de “Caixa 2” eleitoral, atualmente tipificado no art. 350 do Código Eleitoral - falsidade ideológica eleitoral - que evidentemente não foi pensado para tais situações. 

     Essa decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe desassossego para o sistema de Justiça Eleitoral, que terá que se preparar para julgar crimes que não julgava comumente, até lavagem de dinheiro. 

     Há capacidade, claro: o corpo técnico da Justiça Eleitoral é dos melhores, os juízes eleitorais são ótimos e os promotores também. Mas a infraestrutura terá que ser adaptada e a “curva de aprendizado” precisou ter início imediatamente. 

     Eu fiquei desassossegado. Achei que, como estudioso do tema, precisava mesmo reunir meus apontamentos, estudar a doutrina existente, a jurisprudência e, principalmente, desatender a eventuais conselhos sensatos que recebesse no sentido de não publicar nada.

     O resultado da minha aventura, das decisões do Supremo Tribunal Federal e de um antigo e renovado amor pelos livros foi esta publicação da Editora Saraiva: 


“INVESTIGAÇÃO E PROCESSO DOS CRIMES ELEITORAIS E CONEXOS”1


     Ficou muito bonito, preciso dizer. 

     Minha querida amiga Marisa Amaro, advogada eleitoralista e responsável editorial pela obra, fez um prefácio daqueles que só amigas fazem, dizendo que o livro é isto e aquilo e eu tenho esta ou aquela qualidade como autor, o que se não é mentira é exagero. 

     De todo modo, acabei fazendo no livro uma análise dos principais crimes eleitorais, da “parte geral” destes crimes, das regras de investigação, produção de provas, da prisão por crimes eleitorais, da competência da Justiça Eleitoral e das normas de conexão, da ação penal, do controle de sua obrigatoriedade, do rito processual, dos recursos... 

     Examino também esta outra decisão do Supremo Tribunal Federal, muito relevante, na Reclamação n. 34.805, de 01.09.2020, 2a. Turma, na qual a Corte diz que o Ministério Público Eleitoral estava, naquele caso concreto, pretendendo dar um "by pass", cuja tradução recomendada é "dar uma de migué", na decisão proferida no Inquérito 4.435, para dizer que não tinha crime eleitoral algum e que, portanto, o caso devia ir para a Justiça Comum...

     Sei não... E se não tivesse mesmo? 

     Bem, o livro ficou muito bonito, não sei se já disse isso.  Segundo a Marisa, nota-se: 

“[...] a facilidade com que o seu autor, em linguagem clara, objetiva e, ao mesmo tempo, crítica e profunda, se vale do conhecimento que detém dos fundamentos e conceitos de direito penal, de direito processual penal e, como não poderia deixar de ser, da Constituição Federal para lecionar sobre um tema que, muitas vezes, foi relegado a segundo plano quando se fala em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral”.

     Não é uma boa amiga? 

                                X-X-X-X-X-XX



1. O livro está disponível na Amazon. com.br

https://www.amazon.com.br/Investigação-Processo-Crimes-Eleitorais-Conexos/dp/6555599898/ref=sr_1_1?crid=26S0KQI55XPAB&keywords=investigação+e+processo+dos+crimes+eleitorais+e+conexos&qid=1660140007&sprefix=Investigação+e+Proc%2Caps%2C272&sr=8-1&ufe=app_do%3Aamzn1.fos.db68964d-7c0e-4bb2-a95c-e5cb9e32eb12


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