Eu estava no quarto ano da faculdade e estagiava numa empresa, lidando, quase que exclusivamente, com os regramentos do Banco Central sobre remessa de dividendos para o exterior. Surgiu uma oferta de estágio num grande escritório, que pagava o dobro da bolsa que, até então, eu recebia, para lidar exatamente com aquele assunto. Eu precisava do dinheiro e fui lá, deixar meu currículo. O advogado que me atendeu, ao verificar que eu tinha feito o ensino fundamental e médio numa escola pública, me fitou enviesadamente. Explicou:
- Nós não estamos acostumados a receber esse público aqui.
E prosseguiu:
- Você acha mesmo que consegue competir com os outros candidatos, que estudaram nas melhores escolas de São Paulo?
Eu achava que sim.
Mas não me deram a oportunidade.
A multinacional onde estagiava, atenta para minha dedicação e produtividade, me convidou para nela continuar, como advogado, quando me formasse. Rumei para outros caminhos, mas permaneci grato a quem viu meu potencial sem o viés do preconceito.
Trouxe comigo aquele “você acha mesmo” para minha atuação como órgão do Ministério Público, primeiro o estadual, depois o federal.
- Você acha mesmo, Dr. Procurador, que uma pessoa com deficiência pode se tornar médica? Um cego se tornar juiz?
- Acho mesmo.
- Você acha mesmo que um rapaz negro da periferia pode ser um engenheiro do ITA?
- Sim.
- Que uma mulher possa ser política? Não é melhor ser bailarina?
- Deixa ela escolher.
- E que tal esse negócio de gente do mesmo sexo querer se casar?
- Bem, o casamento é difícil. Uma das experiências mais difíceis das espécie humana. É melhor que se amem.
Outrossim, acho mesmo que o paternalismo estatal é ruim. O esforço pessoal é imprescindível, pois o mundo não é melhorado por gente acomodada. Quando ouvi uma suposta candidata nas eleições, que não arrecadou, não fez campanha e ficou à disposição das lideranças partidárias, dizer que “o problema é que as pessoas não votam em mulheres”, me lembrei daquela música dos Smiths: “Some girls are bigger than others”.
Acho mesmo que o Estado tinha que gastar cada tostão que arrecada em igualar oportunidades, para que, aí, cada um siga seu talento e seu caminho.
Luiz Carlos S. Gonçalves