11 Feb
Você acha mesmo?

     Eu estava no quarto ano da faculdade e estagiava numa empresa, lidando, quase que exclusivamente, com os regramentos do Banco Central sobre remessa de dividendos para o exterior. Surgiu uma oferta de estágio num grande escritório, que pagava o dobro da bolsa que, até então, eu recebia, para lidar exatamente com aquele assunto. Eu precisava do dinheiro e fui lá, deixar meu currículo. O advogado que me atendeu, ao verificar que eu tinha feito o ensino fundamental e médio numa escola pública, me fitou enviesadamente. Explicou:

     - Nós não estamos acostumados a receber esse público aqui.

     E prosseguiu:

     - Você acha mesmo que consegue competir com os outros candidatos, que estudaram nas melhores escolas de São Paulo?

      Eu achava que sim.

      Mas não me deram a oportunidade.

     A multinacional onde estagiava, atenta para minha dedicação e produtividade, me convidou para nela continuar, como advogado, quando me formasse. Rumei para outros caminhos, mas permaneci grato a quem viu meu potencial sem o viés do preconceito.

     Trouxe comigo aquele “você acha mesmo” para minha atuação como órgão do Ministério Público, primeiro o estadual, depois o federal.

     - Você acha mesmo, Dr. Procurador, que uma pessoa com deficiência pode se tornar médica? Um cego se tornar juiz?

     - Acho mesmo.

     - Você acha mesmo que um rapaz negro da periferia pode ser um engenheiro do ITA?

     - Sim.

     - Que uma mulher possa ser política? Não é melhor ser bailarina?

     - Deixa ela escolher.

     - E que tal esse negócio de gente do mesmo sexo querer se casar?

     - Bem, o casamento é difícil. Uma das experiências mais difíceis das espécie humana.  É melhor que se amem.

     Outrossim, acho mesmo que o paternalismo estatal é ruim. O esforço pessoal é imprescindível, pois o mundo não é melhorado por gente acomodada. Quando ouvi uma suposta candidata nas eleições, que não arrecadou, não fez campanha e ficou à disposição das lideranças partidárias, dizer que “o problema é que as pessoas não votam em mulheres”, me lembrei daquela música dos Smiths: “Some girls are bigger than others”.

     Acho mesmo que o Estado tinha que gastar cada tostão que arrecada em igualar oportunidades, para que, aí, cada um siga seu talento e seu caminho.


     Luiz Carlos S. Gonçalves


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